domingo, 8 de março de 2009

Aspectos epidemiológicos do diabetes mellitus e seu impacto no indivíduo e na sociedade

Por Dra. Sandra FerreiraProfessora Titular do Depto de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP

O diabetes mellitus tipo 2 (DM-2) tem sido considerado uma das grandes epidemias mundiais do século XXI e problema de saúde pública, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento. As crescentes incidência e prevalência são atribuídas ao envelhecimento populacional, aos avanços terapêuticos no tratamento da doença, mas, especialmente, ao estilo de vida atual, caracterizado por inatividade física e hábitos alimentares que predispõem ao acúmulo de gordura corporal.
A maior sobrevida de indivíduos diabéticos aumenta as chances de desenvolvimento das complicações crônicas da doença que estão associadas ao tempo de exposição à hiperglicemia. Tais complicações - macroangiopatia, retinopatia, nefropatia e neuropatias - podem ser muito debilitantes ao indivíduo e são muito onerosas ao sistema de saúde. A doença cardiovascular é a primeira causa de mortalidade de indivíduos com DM-2, a retinopatia a principal causa de cegueira adquirida, a nefropatia uma das maiores responsáveis pelo ingresso a programas de diálise e o pé diabético importante causa de amputações de membros inferiores. Assim, procedimentos diagnósticos e terapêuticos (como bypass coronariano, fotocoagulação retiniana, transplante renal dentre outras cirurgias), hospitalizações, absenteísmo, invalidez e morte prematura elevam substancialmente os custos diretos e indiretos da assistência à saúde da população diabética. Desafortunadamente, o DM é acompanhado de outras morbidades que podem tornar os custos totais exorbitantes.
Porém, hoje existem amplas evidências sobre a viabilidade da prevenção, tanto da doença em si como de suas complicações crônicas. O número de indivíduos com DM dá uma idéia da magnitude do problema e estimativas têm sido publicadas para diferentes regiões do mundo, incluindo o Brasil. Em termos mundiais, cerca de 30 milhões de indivíduos apresentavam DM em 1985, passando para 135 milhões em 1995 e 240 milhões em 2005, com projeção de atingir 366 milhões em 2030, dos quais dois terços habitarão países em desenvolvimento.
No Brasil, o SUS (Sistema único de Saúde) vem progressivamente atendendo desde 1994 um número crescente de pessoas com DM.
Em termos mundiais, cerca de 30 milhões de indivíduos apresentavam DM em 1985, passando para 135 milhões em 1995 e 240 milhões em 2005, com projeção de atingir 366 milhões em 2030, dos quais dois terços habitarão países em desenvolvimento. No Brasil, dados sobre prevalência de DM, representativos da população residente em 9 capitais, datam do final da década de 80. Nesta época, estimou-se que, em média, 7,6% dos brasileiros entre 30 e 69 anos de idade apresentavam DM, que incidia igualmente nos dois sexos, mas que aumentava com a idade e a adiposidade corporal. As maiores taxas foram observadas em cidades como São Paulo e Porto Alegre, sugerindo o papel da urbanização e industrialização na patogênese do DM-2.
Um achado relevante foi o de que metade dos indivíduos diagnosticados diabéticos desconhecia sua condição. Isso significa que os serviços de saúde têm diagnosticado casos de DM tardiamente, dificultando o sucesso do tratamento em termos de prevenção das complicações crônicas.
O Ministério da Saúde tem regularmente divulgado dados regionais sobre internações por DM que permitem avaliar o impacto sobre a morbidade e mortalidade dos brasileiros; tais dados foram apresentados no XV Congresso Brasileiro de Diabetes, em 2005.
Infelizmente, as informações deste estudo multicêntrico sobre prevalência de DM no Brasil (também conhecido como Censo de Diabetes) não foram atualizadas. Dados representativos da população de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, foram mais recentemente publicados.
Segundo os dados do estudo de Ribeirão Preto, a prevalência do DM, na faixa dos 30 aos 69 anos, foi de 12,1% (em comparação com o Censo Nacional de Diabetes de 1988, no qual a prevalência nessa mesma faixa etária foi de 7,6%) sugerindo que o DM deve estar se tornando mais prevalente, pelo menos na população adulta residente neste estado. Para uma estimativa mais atualizada da prevalência do DM numa determinada população, como num município, por exemplo, deve-se levar em consideração a prevalência média do DM em 3 faixas etárias: abaixo de 30 anos, entre 30 e 69 anos e com 70 anos ou mais, aplicando esses índices de prevalência às respectivas populações de cada faixa etária, conforme o último censo populacional do IBGE. Com esta metodologia de cálculo, utilizando-se a prevalência do estudo de Ribeirão Preto (12,1%) ao invés da prevalência do Censo Nacional de Diabetes (7,6%) para a faixa etária de 30 a 69 anos, o número estimado de portadores de DM no Brasil é de aproximadamente 10,3 milhões.
Dados ainda mais preocupantes têm sido relatados para um subgrupo da nossa população, o de ascendência japonesa. Estes apresentam pelo menos o dobro da prevalência de DM quando comparado à população geral brasileira e os pesquisadores têm atribuído este fato tanto ao ambiente ocidental como à predisposição genética.
Com base nas estimativas e projeções sobre os números de indivíduos com DM e hipoteticamente considerando uma ocorrência constante da doença ao longo do tempo, a Sociedade Brasileira de Diabetes criou um “relógio” que continuamente alertaria sobre a ocorrência de novos casos de DM no mundo. Este contador pode ser visto na home page do site da SBD. Apesar das grandes limitações na criação deste relógio, é louvável a iniciativa de relembrar a todo o momento a relevância deste problema de saúde. Para 2006, estima-se que existam 11 milhões de brasileiros com DM.
Diante deste quadro alarmante sobre a situação do DM, tem-se buscado compreender causas ou fatores determinantes, passo fundamental na tentativa de reverter a progressão desta epidemia. Parte desta pode ser atribuída ao aumento global da expectativa de vida, observado inclusive no Brasil, segundo o IBGE. Isso tem ocorrido principalmente devido à redução da mortalidade infantil, o que também implica em aumento do percentual de casos de DM, de acordo com dados do censo de 2005, contidos no http://www.ibge.org.br.
Não cabe aqui citar os avanços na identificação de fatores causais do DM-2 mas é fundamental que se reforce o papel definitivo do estilo de vida moderno que implica em acúmulo de adiposidade corporal, sendo especialmente deletério na região visceral. Como contraprova para a importância do estilo de vida para o risco de DM, estudos de grande porte, conduzidos em diferentes partes do mundo, provaram que hábitos de vida mais saudáveis (dieta balanceada, rica em fibras, visando peso corporal realisticamente adequado, associada a atividade física de, pelo menos, 150 minutos semanais) são capazes - em indivíduos pré-diabéticos - de reduzir seu risco de DM em 58%.
Mais interessante ainda foi a observação no estudo desenvolvido pelo Diabetes Prevention Program Research Group, conduzido nos EUA, no qual a tentativa de prevenção farmacológica da doença, por meio da metformina, trouxe resultados piores que os observados com a mudança do estilo de vida, com reduções no risco de DM de 31% e 58%, respectivamente.
A literatura dispõe de amplas evidências sobre a relevância do bom controle glicêmico e dos demais fatores de risco cardiovascular na prevenção das complicações. Em se tratando do DM-2, o UKPDS, que no século passado questionou se a eficácia do controle glicêmico na preveniria as complicações crônicas diabéticas, foi, até certo ponto frustrante. Isto porque, apesar de comprovar significantes benefícios do controle da glicemia na prevenção da microangiopatia (retino e nefropatia) - à semelhança do previamente documentado em portadores de DM-1 no DCCT - não demonstrou redução de eventos cardiovasculares e morte. Ponderações sobre estes resultados foram diversas na literatura e as razões para tais achados foram em parte explicadas.
Outro marco importante na prevenção secundária foi a divulgação do estudo Steno-2 que convenceu a sociedade científica da necessidade de se tratar intensivamente os múltiplos fatores de risco (níveis glicêmicos, pressóricos, perfil lipídico e a microalbuminúria) para obter redução significante também dos eventos cardiovasculares e mortalidade em indivíduos com DM-2. Tal programa de tratamento intensivo dos múltiplos fatores de risco em pacientes com DM-2 e microalbuminúria reduz o risco de eventos cardiovasculares e microvasculares em cerca de 50%.
Há consenso de que o indivíduo diabético é de altíssimo risco cardiovascular, comparável àquele não-diabético que já apresentou um infarto do miocárdio. O estudo de Haffner e colaboradores mostrou que a incidência de infarto agudo do miocárdio em indivíduos diabéticos sem história prévia de doença arterial coronariana (DAC) é similar àquela dos indivíduos não diabéticos com história prévia de DAC.
Dessa forma, justificam-se as metas rigorosas em termos de valores de glicemia (jejum e pós-prandial), hemoglobina glicada, pressão arterial e lipoproteínas estabelecidas por sociedades científicas como a SBD, American Diabetes Association e American Heart Association.
O estudo DECODE avaliou a correlação entre a tolerância à glicose e a mortalidade, fornecendo convincentes evidências sobre a importância de se obter também a normalização da glicemia pós-prandial como uma das metas importantes para a redução do risco cardiovascular.

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