quarta-feira, 22 de abril de 2009

Transplante de ilhotas na prática clínica: estado atual e perspectivas.

Freddy Goldberg Eliaschewitz; Denise Reis Franco; Thiago Rennó Mares-GuiaI; Irene L. Noronha; Leticia Labriola; Mari Cleide Sogayar.

INTRODUÇÃO

O diabetes melito tipo 1 (DM1) é o resultado da destruição autoimune das células-beta pancreáticas, responsáveis pela produção da insulina. Ao longo da história representou uma condição clínica fatal que, com o advento da terapia com insulina exógena, há cerca de 80 anos, se transformou em doença crônica. Até hoje, a insulinoterapia constitui o principal pilar do tratamento destes pacientes (1) .

O Diabetic Control and Complication Trial (DCCT) (2) demonstrou, de modo inequívoco, que o controle estrito da glicemia é importante para evitar ou retardar as complicações microvasculares, razão pela qual a insulinoterapia deve ser utilizada na sua modalidade intensiva, ou seja, a insulina basal (uma ou mais aplicações diárias) associada à insulina de ação rápida antes das refeições, em doses variáveis de acordo com o conteúdo de carboidratos a serem ingeridos e com o resultado da monitorização dos níveis da glicemia. Novas estratégias para obter um perfil farmacocinético mais fisiológico da insulina administrada com o uso dos análogos da insulina, das insulinas inaláveis e das bombas de infusão contínua têm se tornado disponíveis na última década como alternativas para atingir as metas de controle glicêmico. No entanto, apesar desta evolução significativa da insulinoterapia, há pequeno contingente de pacientes (em torno de 5% a 10%) que apresenta flutuações intensas e inesperadas das suas glicemias, resultando múltiplos episódios de hipoglicemia, freqüentemente assintomáticos. Para estes pacientes, o transplante de pâncreas é a alternativa que já está em uso clínico e o transplante de ilhotas (Tx de ilhotas) é a alternativa em desenvolvimento (1).

O racional para o desenvolvimento do Tx de ilhotas é que estas representam apenas 1% a 2% da massa celular do pâncreas, sendo todo o restante do órgão representado por tecido não-endócrino, desnecessário para o paciente com DM1.

A EVOLUÇÃO DO TRANSPLANTE DE ILHOTAS

A primeira tentativa de transplantar ilhotas, ainda que de maneira rudimentar, ocorreu em 1894, portanto, antes que a insulina fosse isolada por Banting, Best e Collip em 1921. Naquela época já se sabia que extratos de pâncreas continham algum elemento capaz de diminuir a glicemia e o Dr. W. Williams tentou implantar pequenos fragmentos de pâncreas ovino no subcutâneo de um rapaz de 15 anos em cetoacidose. Naquela época, os imunossupressores e as conseqüências de um xenotransplante eram completamente desconhecidos e o enxerto foi prontamente rejeitado (1). A história moderna do Tx de ilhotas se inicia bem mais tarde, em 1972, quando P. Lacey conseguiu, pela primeira vez, reverter o diabetes em roedores com um implante de ilhotas (1). Não obstante grande repercussão deste trabalho experimental, época em se imaginou que este procedimento entraria rapidamente para o ensaio clínico, foi apenas em 1990 que Scharp e cols. reportaram ter obtido a insulino-independência em um paciente portador de DM1 pelo prazo de um mês (1). As grandes dificuldades técnicas envolvidas no processo laboratorial de isolamento das ilhotas impediram que este experimento fosse replicado em grande escala. Durante a década seguinte, cerca de 450 tentativas de realizar o Tx de ilhotas foram feitas, com índice de sucesso em obter a insulino-independência, pelo prazo mínimo de um mês, de apenas 8% em pacientes com DM1. Resultados de até 50% de sucesso foram reportados, quando os pacientes tinham-se tornado diabéticos por terem sido submetidos à pancreatectomia.

No ano de 2000, Shapiro e cols. (3) publicaram dados de uma série de Tx de ilhotas em sete pacientes consecutivos em que todos alcançaram a insulino-independência, pelo período de seguimento de um ano, utilizando um protocolo modificado que viria a ser conhecido como o protocolo de Edmonton. As modificações propostas incluíam: a seleção de pacientes com a função renal preservada, o uso de um novo esquema de imunossupressão sem esteróides, o preparo das ilhotas sem a adição de proteínas xenogênicas e a realização de um implante de grande número de ilhotas, ou seja, de no mínimo, 10.000 IEQs/kg do receptor, obtidas de dois a três pâncreas e implantadas em duas infusões. Desde então, mais de 500 Tx de ilhotas foram realizados em centros de todo o mundo utilizando o protocolo de Edmonton ou versões modificadas desse procedimento.

Apesar do progresso no desenvolvimento do Tx de ilhotas, a necessidade de imunossupressão por toda a vida, a escassez e as dificuldades de acesso ao pâncreas de doadores falecidos, as dificuldades técnicas e o custo do isolamento das ilhotas, além da pouca durabilidade da insulinoindependência, representam obstáculos que restringem a sua utilização a pequeno grupo de pacientes cujo diabetes é marcado pela hiperlabilidade. Para estes pacientes o Tx de ilhotas tem mostrado ser uma intervenção benéfica que apresenta morbidade 20 vezes menor que o transplante de pâncreas, dado que é procedimento muito menos invasivo do ponto de vista cirúrgico (4).

O PROCEDIMENTO DO TRANSPLANTE DE ILHOTAS

As ilhotas são implantadas no fígado por meio de uma infusão na veia porta (esquema do procedimento na Figura 1). O acesso ao sistema venoso portal se faz através de cateterização transcutânea dirigida por ultra-sonografia; este método tem sido preferido em vez da cateterização de veia mesentérica realizada por microlaparotomia (Figura 2). As ilhotas acondicionadas em uma bolsa estéril siliconizada estão suspensas em aproximadamente 250 mL de meio de cultura de células modificado (meio de transplante) contendo heparina (Figura 3). A infusão leva de 20 a 40 minutos para ser completada. Durante este período a pressão venosa portal é monitorizada e o procedimento deve ser interrompido se a pressão portal ultrapassar 20 mm de água ou atingir o dobro do valor basal. A escolha do fígado como local do implante é decorrente da capacidade elástica deste órgão em acomodar o volume da infusão, do fato que a insulina ser fisiologicamente secretada no sangue portal e do sucesso clínico alcançado com este sítio de implante (5-7).

O sítio pancreático original é menos acessível cirurgicamente e as tentativas de infundir as ilhotas na veia esplênica foram acompanhadas de maior morbidade. No entanto, deve-se considerar que o fígado apresenta limitações importantes em relação à disponibilidade de oxigênio, uma vez que a pressão parcial de O2 (PO2) nas pequenas veias portais varia de 8 a 10 mmHg enquanto no pâncreas a PO2 é de 40 mmHg. (8). Além disso, o fígado representa um ambiente celular marcado pela hiperglicemia, pela exposição às toxinas de origem intestinal e a elevadas concentrações dos imunossupressores nos períodos em que ocorre a sua absorção intestinal, amplificando o efeito tóxico sobre as ilhotas ali implantadas. Por tudo isso, ultimamente, tem-se questionado se outros locais de implante como a serosa duodenal não seriam mais adequados à sobrevivência das ilhotas (9).

Apesar de relativamente pouco invasivo, o procedimento do Tx de ilhotas pode causar eventos adversos, os mais frequentes estão relacionados na Tabela 1. As alterações das transaminases são transitórias e denotam o processo inflamatório associado à presença das ilhotas no parênquima hepático antes do processo de nidação. O sangramento é um risco inerente à punção hepática e ocorre em menos de 5% das punções, enquanto a ocorrência de trombose de ramos da veia porta se tornou um evento raro após o abandono da seringa e a adoção da infusão lenta das ilhotas contidas em bolsa siliconizada.

O ACOMPANHAMENTO CLÍNICO DO PACIENTE TRANSPLANTADO

Após o implante, a terapia com insulina deve ser mantida (usualmente com dois terços da dose anterior) para evitar a hiperglicemia (jejum >110 mg% e pós-prandial de 2 horas >180 mg%), que pode dessensibilizar as ilhotas em relação à secreção de insulina induzida por glicose e também prejudicar a nidação das ilhotas. Com a vascularização das ilhotas e o início da secreção de insulina, a dose necessita ser diminuída gradualmente até a suspensão total por período que varia de 2 a 11 meses nos casos em que a insulino-independência for atingida (11-13).

O melhor parâmetro para acompanhar a evolução é a dosagem do peptídeo C, que em geral é indetectável antes do implante, e que se correlaciona diretamente com a massa de células-beta que efetivamente conseguiu se implantar no fígado e inversamente com a necessidade de insulina. O peptídeo C pode superestimar a massa celular quando há resistência à insulina ou diminuição da função renal e subestimá-la quando sua concentração diminui devido ao uso da insulina exógena o que, por efeito de feedback, inibe a secreção endógena de insulina (4,15-16).

Testes funcionais como a secreção de insulina estimulada por arginina, o teste de tolerância à glicose oral ou endovenosa são realizados periodicamente. Como a resposta varia de acordo com o tempo decorrido desde o transplante, é importante que este tempo seja considerado para efeito comparativo. A resposta ao estímulo é verificável após um mês do implante, mas os centros transplantadores consideram a resposta como máxima aquela obtida após um ano. Do ponto de vista clínico, o controle das glicemias, da A1c, do peptídeo C, o registro dos eventos de hipoglicemia e da necessidade de insulina são suficientes para o acompanhamento (17-20).

A IMUNOSSUPRESSÃO NO TRANSPLANTE DE ILHOTAS

A imunossupressão recomendada pelo protocolo de Edmonton consiste em daclizumabe, sirolimo e tacrolimo, sem o uso de corticóides. O daclizumabe (anticorpo monoclonal anti-CD25) é administrado por via endovenosa na dose de 1 mg/kg no dia do implante e em mais 4 aplicações, a cada 2 semanas, após cada infusão. O sirolimo é dado por via oral, uma vez ao dia, na dose necessária para manter o nível sérico na faixa de 12 a 15 ng/mL, durante os primeiros 3 meses; posteriormente, a dose é ajustada para manter níveis entre 7 a 12 ng/mL. A dose inicial administrada de sirolimo é de 0,2 mg/kg, a dose subseqüente é de 0,1 mg/kg, que será depois ajustada semanal ou quinzenalmente até que as concentrações séricas desejadas sejam atingidas. O tacrolimo é administrado na dose inicial de 1 a 2 mg/dia, depois é ajustada para manter a concentração sérica de 3 a 6 ng/mL. A terapia imunossupressora é mantida por toda a vida. Desse modo, é importante considerar os efeitos colaterais dos imunossupressores. A Tabela 2 relaciona os efeitos colaterais mais freqüentes da terapia imunossupressora.

Além dos eventos adversos relacionados à imunossupressão utilizada no protocolo de Edmonton devemos considerar o achado recente do seu efeito antiproliferativo e diabetogênico, tanto por seu efeito inibidor da secreção de insulina quanto por induzir resistência à ação deste hormônio (6,11,21).

A associação do sirolimo com o tacrolimo frequentemente se agrega à linfocitopenia, o que desencadeia resposta homeostática proliferativa de linfócitos de memória, potencialmente capazes de recrudescer a resposta autoimune dirigida contra as ilhotas. Por esse motivo vários protocolos de imunossupressão alternativos estão atualmente em ensaio clínico (22).

RESULTADOS DO TRANSPLANTE DE ILHOTAS

Decorridos sete anos da publicação de J. Lakey e cols. (protocolo de Edmonton), o Tx de ilhotas seguindo este protocolo ou suas variantes, foi realizado em mais de 500 pacientes de 53 centros, incluindo o Núcleo de Terapia Celular e Molecular (Nucel), permitindo uma reavaliação crítica dos progressos e dos desafios que o Tx de ilhotas pancreáticas humanas ainda deve superar para migrar do campo da pesquisa clínica para o da terapia estabelecida.

A taxa de sucesso, medida pela insulino-independência em um ano, obtida nos três centros com maior experiência na América do Norte (Edmonton, Miami e Minneápolis) com a infusão de ilhotas obtidas de 1 a 4 pâncreas é de 82% (nos demais centros varia de 0% a 63%) e em todos se observa perda progressiva da insulino-independência. Três anos após o transplante, 50% dos pacientes permanecem livres de insulina e após cinco anos, apenas 13% dos pacientes não necessitam de insulina para controlar a sua glicemia. No entanto, o peptídeo C continua detectável em 80% dos pacientes e esta secreção residual da insulina traz o benefício da melhora ou o desaparecimento da labilidade (Figura 4), uma grande redução dos eventos hipoglicêmicos e da manutenção de uma A1c dentro das metas recomendadas(4,10,23-25).

Estes resultados mostram que o Tx de ilhotas, da forma como é realizado hoje, não deve ser considerado, para a maioria dos pacientes, como um método capaz de reverter o diabetes. No entanto, mesmo necessitando de insulina, a resolução das condições que levaram à indicação do Tx de ilhotas também pode ser considerada uma forma de sucesso.

Ryan e cols. (26) quantificaram os resultados medindo a evolução dos parâmetros HYPO e LI e desenvolveram uma medida da função das ilhotas transplantadas na forma de um beta-escore. Este é um índice que leva em consideração a glicemia de jejum, a necessidade de insulina, a hemoglobina glicada e a capacidade de produzir insulina quantificada pelo peptídeo C. O escore máximo de 8 significa a reversão completa do quadro de diabetes com insulino-independência, o escore mínimo de zero significa a falência total do enxerto (Tabela 3).

EFEITOS NO LONGO PRAZO DO TRANSPLANTE DE ILHOTAS

O efeito protetor do Tx de ilhotas em relação às complicações microvasculares resta ser demonstrado; em relação às macrovasculares, o estudo retrospectivo de Fiorina e cols. revela melhora da função endotelial e cardiovascular em pacientes que receberam também um transplante renal (11,27).

O seguimento no longo prazo de pacientes submetidos ao Tx de ilhotas permitiu que se identificassem efeitos colaterais que ocorrem mais tardiamente, como o desenvolvimento de focos de esteatose hepática, provavelmente decorrente do ambiente de hiperinsulinismo exacerbado em torno das áreas onde as ilhotas se implantaram. Embora sem grande expressão clínica detectada até o momento, a esteatose poderia ser um fator de lesão das ilhotas por lipoglucotoxicidade. A esteatose também ocorre em modelos experimentais e nestes é evitada por ação da leptina ou por restrição calórica (9).

Além disso, verificou-se o aparecimento de sensibilização contra antígenos HLA do doador, o que no caso de múltiplas infusões de diferentes doadores poderia levar a quadro de hipersensibilização capaz de dificultar a seleção de possível doador para outro transplante (renal). Por outro lado, tem-se notado que a tolerância da função renal em relação à ação nefrotóxica dos imunossupressores é menor em pacientes que tem clearance de creatinina prétransplante menor do que 70 ou 80 mL/min. Embora haja certa controvérsia dado o fato de que seja difícil excluir a progressão da nefropatia diabética em pacientes que de início já apresentavam declínio da função renal, a prudência impõe que sejam selecionados pacientes com função renal normal e, portanto com uma probabilidade menor de evolui para insuficiência renal, terminal quando forem submetidos à imunossupressão (28).

MECANISMOS DE PERDA DA MASSA CELULAR IMPLANTADA

Embora a rejeição e a recorrência da autoimunidade possam, como passar do tempo, causar a destruição das ilhotas implantadas, há evidências de que a maior parte das ilhotas é destruída no período imediato ao implante, por mecanismo decorrente da imunidade inata. Estima-se que de 50% a 70% das ilhotas infundidas são perdidas por apoptose "induzida por estresse" ou pela Instant Blood-Mediated Inflammatory Response (IBMIR). Este processo foi estudado em detalhe por Korsgren e cols. (29) que demonstraram que as ilhotas humanas produzem grande quantidade de fator tecidual que causa adesão e ativação das plaquetas, provocando a ativação das cascatas do complemento e da coagulação, e atraindo granulócitos e monócitos que infiltram e destroem as ilhotas. Esta reação também pode ser precipitada pela secreção de quimiocinas, como a proteína químio-atratora de monócitos 1 (MCP-1). Qualquer que seja o agente iniciador da reação, a lesão das ilhotas, inevitavelmente, provoca a liberação de antígenos insulares que podem reativar a resposta imune específica, resultando no aumento ou no reaparecimento de autoanticorpos como o anti-GAD (29-37).

Além disso, há a perda, ao longo do tempo, da massa celular transplantada, uma vez que a taxa de regeneração das ilhotas implantadas no fígado é muito pequena ou inexistente. Há evidências de que no pâncreas normal formamse cerca de 250 mil ilhotas/ano e que esta reposição seria necessária para sustentar a tolerância à glicose normal ao longo da vida adulta. Dados experimentais mostraram que primatas submetidos à autotransplante de ilhotas por infusão portal, que se tornaram insulino-independentes, perderam essa condição quando ganharam massa corpórea pelo crescimento, demonstrando a incapacidade de multiplicação adaptativa das ilhotas implantadas no fígado (29-37).

Certamente, outros fatores como a atividade antiproliferativa dos imunossupressores, a autoimunidade, a rejeição crônica e o ambiente hepático podem ser também em parte responsáveis pela perda da insulino-independência, não obstante o grande número de ilhotas implantadas (mais de 12 mil equivalentes de ilhotas [IEQ]/kg de peso do receptor).

Infelizmente, a nossa capacidade de detectar a rejeição das ilhotas é limitada. Os pacientes são monitorados por meio dos níveis de peptídeo C, da dose de insulina necessária e da glicemia. Todos estes parâmetros podem permanecer inalterados em uma fase precoce do processo de rejeição que, eventualmente, poderia ser contido por um ajuste da terapia imunossupressora se detectado a tempo (38,39). A dosagem do antígeno GAD65 não se revelou superior ao teste de tolerância à glicose simplificado. Tampouco há um método de imagem disponível que possa ser utilizado rotineiramente. Exames de imagem como a ressonância nuclear magnética usando lantanídeos, magnésio ou nanopartículas superparamagnéticas de óxido de ferro, estão em desenvolvimento, assim como exames de tomografia de emissão de prótons (PET) utilizando anticorpos específicos contra antígenos da célula-beta ou análogos do gliburide (39-40).

Os métodos histológicos (biópsias), ao contrário do que ocorre com os transplantes de órgãos sólidos não são habitualmente utilizados em razão da dificuldade de se obter uma amostra representativa contendo ilhotas por meio de biópsia hepática por punção (38,39).

PERSPECTIVAS FUTURAS DO TRANSPLANTE DE ILHOTAS

O Tx de ilhotas foi aprovado como tratamento no Canadá e está em fase de aprovação pelo Foods and Drugs Administration (FDA), nos Estados Unidos. Mesmo que se aperfeiçoem os métodos de isolamento e se mantenham estritamente os critérios de inclusão, ainda assim haverá enorme discrepância entre a demanda e a oferta de pâncreas. O futuro de qualquer modalidade de terapia de reposição celular para o diabetes dependerá da criação de uma fonte sustentável de tecido secretor de insulina. Enquanto isso não ocorre, a estratégia é aperfeiçoar o procedimento, tentando-se obter a insulino-independência utilizando pâncreas de um único doador. Hering e cols. reportaram ter obtido a insulino-independência em oito pacientes que receberam uma única infusão contendo 7.271 IEQs/kg, em média, e que destes, cinco pacientes se mantinham livres de insulina mais de um ano após o transplante. As técnicas aprimoradas de isolamento, o uso de antioxidantes e uma variante do protocolo de imunossupressão são os fatores aos quais os autores atribuíram este bom resultado (11,41,42).

Outra estratégia que está sendo explorada é o transplante com doador vivo. Embora a reserva de células-beta e a capacidade regenerativa do pâncreas não sejam bem conhecidas, sabe-se que pacientes que se submetem à hemipancreatectomia distal são capazes de manter homeostase da glicose normal após a cirurgia. Alguns centros têm se utilizado de doadores vivos para realizar transplante de tecido pancreático apesar do risco de diabetes e de complicações cirúrgicas no doador. Do mesmo modo, estes doadores poderiam ser utilizados para o Tx de ilhotas. A primeira tentativa de realizar este procedimento foi feita por Sutherland e cols. 25 anos antes da introdução do método semi-automático de isolamento. Em 2005, este procedimento foi realizado com sucesso pela primeira vez, em Kyoto, quando um paciente portador de pancreatite crônica recebeu 408.144 IEQs isolados de segmento pancreático proveniente de um doador vivo relacionado, atingindo a insulino-independência 22 dias depois (43-44).

Ao lado de estratégias que aumentem a oferta de ilhotas, é necessário melhorar a eficácia e a tolerância dos imunossupressores. As modificações do protocolo de Edmonton que já estão sendo testadas em ensaios clínicos são: agentes que depletam linfócitos T como o alemtuzumabe, um anticorpo monoclonal anti-CD52 que bloqueia a ativação dos linfócitos T via a molécula CD45, e o anti-CD3 humanizado hOKT3δ1 (ALA-ALA) que foi utilizado com sucesso no protocolo de doador único da Universidade de Minnesota, por Hering e cols. Agentes bloqueadores dos receptores co-estimuladores dos linfócitos T, como o CTLA4 e o LEA29Y (belatacepte), que se ligam aos receptores CD80 e CD86 bloqueando a sua interação com o receptor co-estimulador CD28 e modulando a resposta imune (45-47).

Uma abordagem alternativa é inibir a migração dos linfócitos do sítio de ativação até o local onde irão agir. Esta migração depende da ação de quimiocinas, e agentes que inibem o trânsito dos linfócitos têm sido usados de modo crescente como agentes imunomoduladores. O FTY 720 é um inibidor inespecífico da migração dos linfócitos a partir do timo e dos gânglios, e tem sido usado em associação com o basiliximabe e o everolimo em modelos pré-clínicos de Tx de ilhotas. Além disso, vários ensaios têm buscado induzir a imunotolerância pela adição de tecido imunocompetente do doador para induzir o microquimerismo (48-53).

Paralelamente ao crescimento exponencial das alternativas de imunossupressão e de indução da imunotolerância, surgem as estratégias de imunoisolamento que buscam colocar as ilhotas em compartimentos a salvo do alcance das células imunocompetentes do receptor. Há ensaios em curso com macroencapsulamento e implante das ilhotas no tecido subcutâneo e ensaios pré-clínicos com ilhotas implantadas em microcápsulas. Além da padronização dos materiais utilizados e do uso em animais de médio/grande porte, as questões conceituais que necessitam ser esclarecidas se referem à longevidade e à duração das ilhotas encapsuladas, à permeabilidade ao oxigênio e aos mediadores inflamatórios e a resposta imune no longo prazo em relação ao material das cápsulas (54-56).

Mesmo que todas as questões relativas à imunossupressão venham a ser resolvidas, a demanda potencial por este procedimento não pode ser satisfeita apenas por ilhotas obtidas a partir de órgãos doados. O xenotransplante não está no horizonte clínico previsível para os próximos dez anos, em razão dos problemas ainda não resolvidos da rejeição hiperaguda, da presença de genomas virais, além das questões éticas envolvidas (57). Células-tronco ou progenitoras capazes de se diferenciar em células-beta potencialmente podem fornecer uma fonte ilimitada de células para a terapia de reposição. Há relatos iniciais da obtenção de células produtoras de insulina, a partir de células-tronco embrionárias, bem como a descrição de células multipotentes obtidas de ilhotas que in vitro se diferenciaram em células exócrinas, endócrinas e hepatócitas. Outra fonte potencial são as células multipotentes originárias da medula óssea, capazes de se diferenciar em hepatócitos que pertencem à mesma linhagem endodérmica que as células endócrinas das ilhotas (58-60).

CONCLUSÕES

O Tx de ilhotas representa a fronteira na inovação tecnológica para o tratamento de um grupo específico de pacientes portadores de DM1. É um procedimento terapêutico aprovado no Canadá, em fase de aprovação nos Estados Unidos e experimental nos demais países, incluindo o Brasil. Atualmente, este procedimento não deve ser encarado como modo seguro de atingir a insulino-independência, porque, após cinco anos de seguimento, apenas pequena parcela dos pacientes se mantém livre de insulina, embora a grande maioria dos pacientes se beneficie do desaparecimento da hiperlabilidade. Com o desenvolvimento de novas técnicas de preparação das ilhotas e da imunossupressão dos pacientes, será possível atingir a insulino-independência com a infusão de massa celular menor e o Tx de ilhotas poderá oferecer a mesma eficácia clínica que o transplante de pâncreas, se não com menor custo com menor morbidade. Assim como o sucesso do transplante de pâncreas criou a motivação e a oportunidade para que o Tx de ilhotas se desenvolvesse, esta nova modalidade criará a oportunidade e a motivação para o desenvolvimento do transplante, utilizando células provenientes de fontes alternativas como as células-tronco diferenciadas no laboratório, e estimulará o desenvolvimento de técnicas de indução da imunotolerância e de imunoisolamento, porque este é o caminho para tornar a terapia de reposição celular aplicável a uma população maior de pacientes (11,54,61,62).

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Adesão ao tratamento com estatinas associada a menor risco de mortalidade por todas as causas,mesmo na prevenção primária

Autor: Michael O'RiordanPublicado em 17/02/2009

Um novo estudo demonstra que pacientes em cuidado preventivo primário ou secundário, que utilizam regularmente estatina, apresentam risco de morte significativamente menor que aqueles que não aderem ao tratamento [1]. Segundo relatam os pesquisadores, indivíduos que utilizam a medicação pelo menos 90% do tempo apresentaram uma redução de 45% no risco de mortalidade por todas as causas, comparados a pacientes menos comprometidos com o tratamento.
“Os benefícios observados com a administração de estatinas foram maiores que o esperado por estudos clínicos randomizados, enfatizando a importância de promover o tratamento com estatinas e aumentar a continuidade do tratamento tanto na prevenção primária quanto na secundária”, escrevem Dr Varda Shalev (Tel Aviv University, Israel) e colaboradores na edição de 9 de fevereiro de 2009 do Archives of Internal Medicine.
O estudo, uma análise retrospectiva de 229.918 indivíduos registrados em uma health-maintenance organization, avaliou o efeito do tratamento com estatina em pacientes com ou sem doença coronariana pré-existente. Conforme os autores ressaltam, os benefícios desta terapia estão bem documentados, mas o efeito do tratamento hipolipemiante sobre a mortalidade por todas as causas em uma coorte de prevenção primária é mais controverso. Por exemplo, um artigo de opinião publicado no Lancet em 2007 e na heartwire por Dr. John Abramson (Harvard Medical School, Boston, MA) e Dr. Jim Wright (University of British Columbia, Vancouver) debateu que a maior parte das evidências não apoiavam o tratamento com estatina na prevenção primária em mulheres ou indivíduos com mais de 65 anos de idade.
Nesta análise mais recente, os pesquisadores avaliaram o benefício da prevenção primária sobre a mortalidade em 136.052 pacientes sem história de doença cardíaca acompanhados por um tempo médio de 4 anos. A coorte de prevenção secundária foi composta por 93.866 pacientes acompanhados, em média, por 5 anos. A adesão ao tratamento com estatina foi avaliada pelo número de prescrições que foram realizadas com esta medicação durante o intervalo entre a primeira prescrição e o final do acompanhamento.
Nas coortes de prevenção primária e secundária, a utilização regular de estatinas, que foi definida como tratamento durante 90% do tempo do período de acompanhamento, associou-se à redução de 45% e 51%, respectivamente, no risco de morte, comparados a indivíduos que utilizaram a medicação por um tempo menor que 10% do período do acompanhamento. A redução foi mais pronunciada entre pacientes com níveis iniciais de colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) elevados e entre os que receberam tratamento hipolipemiante intensivo.

“Nossos resultados confirmam que os benefícios das estatinas se estendem a pacientes não selecionados em ambientes da comunidade”, escrevem Shalev e colaboradores. “A maior continuidade no tratamento e a eficácia aumentada da droga estão associadas a melhor sobrevida tanto entre indivíduos da coorte de prevenção primária quanto da secundária”.
A equipe informou que os benefícios observados neste estudo são muito maiores que os benefícios sobre a mortalidade mostrados em estudos clínicos, nos quais somente uma redução modesta na mortalidade por todas as causas foi verificada. Estudos em populações de pacientes não-selecionados, como neste estudo observacional, podem “ajudar a compreender melhor os benefícios gerais das estatinas que podem resultar de seus efeitos antiinflamatório, antitrombótico ou antiapoptóptico, bem como de sua ação sobre a óxido nítrico sintetase”, eles sugerem.
Os pesquisadores enfatizam que o estudo é limitado pelo desenho e pelo fato da avaliação da terapia com estatina ser baseada em informações coletadas.
Shalev V, Chodick G, Silber H, et al. Continuation of statin treatment and all-cause mortality. Arch Intern Med 2009; 169:260-268.
Abramson J, Wright J. Are lipid-lowering guidelines evidence-based?
Lancet 2007; 369:168-169.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Avaliação laboratorial da glicemia

Denise Reis Franco - www.medicinaatual.com.br
30/11/2007

Introdução

Definimos glicemia do grego glucos=açúcar e hemos=sangue. A dosagem de glicemia é o exame mais utilizado para diagnosticar diabetes mellitus. O valor normal de glicemia varia de 70 a 99 mg/dl.

Diabetes mellitus é um grupo de doenças metabólicas caracterizadas pela hiperglicemia resultante de defeitos na secreção de insulina e/ ou na sua ação. O quadro de hiperglicemia crônica, após anos de diagnóstico, associado às alterações do metabolismo da proteína e dos lípides, pode comprometer a função de vários órgãos como olhos, rins, coração e vasos sanguíneos.

Em 1997, o Comitê Internacional de Experts se reuniu e discutiu a classificação e os critérios de diagnóstico do diabetes mellitus, que eram baseados na publicação de 1979 do National Diabetes Data Group e do grupo de estudos da World Health Organization, de 1985. Como resultado das deliberações, o Comitê recomendou várias mudanças nos critérios diagnósticos de diabetes e intolerância à glicose. Esses critérios têm sido revistos e anualmente publicados pela Associação Americana de Diabetes (ADA). Discutiremos abaixo os critérios atuais de diagnóstico, que foram apresentados recentemente na publicação do Diabetes Care de 2007, segundo as recomendações da ADA.

Diagnóstico de diabetes mellitus
O diagnóstico de diabetes é possível pela confirmação de hiperglicemia, após subseqüente medida de nova glicemia, conforme a tabela 1.
Tabela 1. Critérios para o diagnóstico de diabetes mellitus
Sintomas de diabetes e a eventual medida da concentração plasmática de glicose >200 mg/dl. Denominamos de eventual o achado de hiperglicemia em qualquer horário do dia. Os sintomas clássicos de diabetes incluem poliúria, polidípsia e perda de peso inexplicável.

Ou

Glicemia de jejum >126 mg/dl, com jejum de 8 horas

Ou

Glicemia após 2 horas >200 mg/dl durante o teste oral de tolerância à glicose. Este teste é realizado com a ingestão de 75 g de glicose anídrica dissolvidos em água.
A ausência de hiperglicemia inequívoca deve ser confirmada com um novo teste em outro dia.
As principais modificações em relação às posições anteriores foram:
O uso da glicemia de jejum como diagnóstico foi recomendado e o valor de corte de glicemia para não diabéticos abaixou de 140 mg/dl para 126 mg/dl (plasma), devido à alta prevalência e incidência de retinopatia diabética em pacientes com valores de glicemia próximos de 126 mg/dl.
Valor da glicemia de jejum definido como normal no consenso de 1979 já havia sofrido modificação em 2003 para < 100 mg/dl, baseado em dados epidemiológicos de risco de diabetes com valores acima de 100 mg/dl.
Não é recomendado o uso da hemoglobina glicada (A1c) como teste de diagnóstico para diabetes devido à falta de padrões estabelecidos de valores de normalidade do teste. A A1c é o teste de seguimento dos pacientes e para avaliação de tratamento.

Denomina-se de intolerante à glicose os pacientes com glicemia de jejum <126 mg/dl e aqueles que após 2 horas da sobrecarga oral de glicose apresentem valores de glicemia entre 140–199 mg/dl; para o diagnóstico são colhidas apenas duas amostras: 0 e 120 min. O teste oral de tolerância à glicose consiste em administrar por via oral 75 g de glicose para adultos e 1,75 g/kg para crianças. São considerados normais os valores de glicemia de duas horas após a sobrecarga de até 140 mg/dL.

Considera-se pré-diabéticos ou com tolerância à glicose diminuída, os indivíduos que apresentam valores intermediários entre 140 e 200 mg/dL. Devido ao elevado risco de desenvolvimento de diabetes, estes pacientes devem ser estimulados a mudanças de hábitos de vida na tentativa de prevenção do diabetes tipo 2. As mudanças incluem plano alimentar fracionado, interrupção do tabagismo e estímulo a atividade física.
Segundo a World Health Organization, pacientes com glicemia entre 100 e 125 mg/dl devem ser submetidos ao teste de tolerância oral à glicose para excluir a presença de diabetes.
A confirmação do diabetes mellitus é dada por glicemia de jejum maior ou igual a 126 mg/dL (confirmada por nova coleta).

Rastreamento

A Sociedade Brasileira de Diabetes recomenda que sejam rastreados os indivíduos nas seguintes situações:

Rastreamento a cada três a cinco anos, se idade maior que 45 anos, utilizando a glicose plasmática de jejum.

Rastreamento mais freqüente, a cada um a três anos, ou mais precoce (antes dos 45 anos), com o emprego da curva glicêmica, nas seguintes situações:

Se houver dois ou mais quadros clínicos da síndrome plurimetabólica (obesidade, HDL-colesterol baixo, triglicérides elevados, hipertensão arterial e doença cardiovascular).
Nas mulheres que apresentaram diabetes gestacional prévio.

Nos indivíduos que, além de estarem acima dos 45 anos, apresentam dois ou mais dos seguintes fatores de risco:

história familiar de diabetes (pais, filhos, irmãos);

excesso de peso (IMC > 25kg/m2);

sedentarismo;

HDL-c baixo ou triglicérides elevados;

hipertensão arterial;

diabetes gestacional prévio;

macrossomia ou história de abortos de repetição ou mortalidade perinatal;

uso de medicação hiperglicemiante (por exemplo, corticosteróides, tiazídicos, betabloqueadores).

O rastreamento deve ser feito anualmente, ou mesmo em períodos mais curtos, nas seguintes situações:

glicemia de jejum alterada ou intolerância à glicose;
presença de complicações compatíveis com diabetes mellitus;
hipertensão arterial;
doença coronariana.

Diagnóstico do diabetes gestacional
O teste deve ser efetuado entre a 24ª e a 28ª semana de gestação e consiste na coleta de uma amostra de sangue para a dosagem de glicemia uma hora após a ingestão de uma sobrecarga oral de 50 g de glicose. O teste é positivo se a glicemia após 1 hora da sobrecarga for >140 mg/dL. As pessoas que apresentam valores alterados deverão ser submetidas ao teste com sobrecarga de 100 g de glicose de 3 horas. O diagnóstico de diabetes gestacional requer que, pelo menos, duas das quatro glicemias sejam iguais ou superiores aos limites descritos:
jejum: 95 mg/dL
1 hora: 180 mg/dL
2 horas: 155 mg/dL
3 horas: 140 mg/dL

A Sociedade Brasileira de Diabetes sugere rastreamento com a glicemia de jejum, e após uma hora da ingestão de 50g de glicose (jejum dispensado). Somente nos casos considerados positivos aplica-se o teste de sobrecarga oral com 75g de glicose.
Ainda, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, no rastreamento com o teste de 50 g de glicose, valores de glicose plasmática de uma hora muito elevados, como 185 mg/dL ou maiores, podem ser considerados diagnósticos de diabetes gestacional. A hemoglobina glicada durante a gestação não é um bom parâmetro para o acompanhamento.

Hemoglobina glicada (A1c)
Os níveis de A1c geralmente refletem o controle glicêmico das últimas 12 semanas. O método de referência é o HPLC com coluna de troca iônica. A meta da A1c deve ser estabelecida com o médico, segundo as complicações associadas ao diabetes. Quando os valores de referência normais são de 6%, os níveis de A1c inferiores a 7% estão relacionados a maior redução do risco de progressão das complicações do diabetes.

A meta da A1c deve ser estabelecida pelo médico, segundo as características individuais de cada paciente. Níveis de A1c mantidos abaixo de 7% refletem significativa redução no surgimento e na progressão de complicações microvasculares do diabetes. A Sociedade Brasileira de Diabetes sugere a realização da hemoglobina glicada pelo menos 2 vezes ao ano e a busca de A1c de 6,5%.

Hipoglicemia
A dosagem da glicemia também é utilizada para diagnosticar a queda dos níveis glicêmicos. Considera-se hipoglicemia valores de glicose inferiores a 60 mg/dl.

A hipoglicemia pode ser freqüentemente encontrada nos quadros de diabetes em decorrência do tratamento da doença. Várias outras situações clínicas podem causar hipoglicemia, dependendo, principalmente, da idade do paciente e do momento em que ela aparece. Entre as causas da hipoglicemia estão as decorrentes do uso de medicamentos como insulina e anti-diabéticos, abuso de álcool, insulinomas, deficiência de hormônios contra-reguladores como hormônio do crescimento, adrenalina, glucagon e cortisol. Os pacientes que se submeteram à gastroplastia podem apresentar hipoglicemia por dumping.

O monitoramento contínuo de glicose (CGMS) pode auxiliar tanto na avaliação da elevação da glicemia, quanto da hipoglicemia. Ele é útil para a observação das oscilações nas taxas de glicose durante o dia. Esse monitoramento é feito pela medida da glicose intersticial. São realizadas mais de 288 medidas de glicemia no dia e são analisadas, além dos valores de glicemias isoladas, as tendências de elevação e queda da glicemia. O poder de detecção do monitor está na faixa entre 40 mg/dL e 400 mg/dL de glicemia. Novas técnicas de avaliação do perfil glicêmico têm sido desenvolvidas e possibilitado um maior conhecimento do perfil glicêmico dos pacientes.

Leitura recomendada
American Diabetes Association: Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus Diabetes Care 2007;30:S42-47S
Garg S, Zisser H, Schwartz S et al. Improvement in glycemic excursions with a transcutaneous, real-time continuous glucose sensor: a randomized controlled trial. Diabetes Care, 2006;29:44-50.National Diabetes Data Group: Classification and diagnosis of diabetes mellitus and other categories of glucose intolerance. Diabetes 1979;28:1039-1057.
The Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus: Report of the expert committee on the diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care 1997;20:1183-1197.
World Health Organization: Diabetes Mellitus: Report of a WHO Study Group. Geneva, World Health Org., 1985 (Tech. Rep. Ser., no. 727).

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Método normaliza índice glicêmico em 70% dos diabéticos

Sistema desenvolvido no Hospital do Rim e da Hipertensão, de São Paulo, foca pacientes que têm a doença descontrolada

Descontrole glicêmico e oscilação das taxas de açúcar no sangue podem causar complicações crônicas, como derrame


São Paulo – 27/02/2009 -Um novo método desenvolvido no Hospital do Rim e da Hipertensão de São Paulo, ligado à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), tem conseguido normalizar as taxas de glicemia de 70% dos diabéticos com descontrole glicêmico. A partir de março, o método -chamado de glicemia média semanal- também passa a ser adotado pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

O sistema é simples: por meio de um medidor digital de glicemia, a pessoa dosa os níveis de açúcar no sangue sete vezes ao dia (antes e após as três principais refeições e na madrugada), durante três dias.


Os dados, que ficam armazenados no aparelho, são transferidos para um computador, e um software calcula a glicemia média semanal do paciente. A partir da interpretação dos gráficos, o médico faz o ajuste no tratamento -pode aumentar a dose de remédio ou mudar a dieta, por exemplo.

Atualmente, estima-se que apenas 10% dos diabéticos tipo 1 e 25% dos diabéticos tipo 2 tenham a doença controlada. O descontrole glicêmico pode causar complicações crônicas (como doença arterial, derrame cerebral, cegueira e amputação de pés e pernas) e agudas (coma e infecções). A variabilidade da glicemia (quando os níveis oscilam muito) também é um fator de risco para as complicações crônicas.

Segundo o médico Augusto Pimazoni Netto, coordenador do grupo de educação e controle do diabetes do Hospital do Rim e da Hipertensão, o novo método conseguiu normalizar índices glicêmicos que havia anos estavam descontrolados.

"Os métodos atuais têm muitas limitações. A glicemia de ponta de dedo informa o nível de glicemia no momento exato do teste e a hemoglobina glicada (A1C) reflete os níveis médios de glicemia dos últimos dois a quatro meses [os médicos usam esses dois exames para fazer o controle glicêmico]. Mas eles não indicam as oscilações da glicemia.” ·Outra limitação da A1C, por exemplo, é a existência de diversos métodos laboratoriais que dão diferentes taxas de normalidade para o exame. Além disso, o teste pode ter seu resultado alterado pela redução do número de hemácias ou dos níveis de hemoglobina.

No ano passado, as maiores entidades representativas de diabetes no mundo lançaram uma campanha para que os médicos passem a utilizar a glicemia média para fazer o controle glicêmico de seus pacientes. É dentro desse conceito que se enquadra o novo método de glicemia média semanal.

Um estudo conduzido por Pimazoni Neto para testar a eficácia do sistema mostra que em um grupo de 95 diabéticos com descontrole glicêmico, 70% deles normalizaram os níveis de glicemia em três semanas. O trabalho foi apresentado em congressos médicos e aguarda publicação em uma revista científica internacional.

"Temos vários casos de pacientes que chegaram com uma glicemia média semanal de 400 mg/dl (o recomendado é estar abaixo de 150 mg/dl) e que, depois dos ajustes no tratamento, os níveis se normalizaram em menos de um mês.”. É o caso de Célia Motter, 54, que foi encaminhada ao grupo de educação em diabetes com nível glicêmico semanal de 570 mg/dl. "Eu não sentia absolutamente nada. Achava que só controlaria o diabetes cortando os doces. Comia muito pão, muita massa”.

A partir da glicemia média semanal, os médicos aumentaram a dose de insulina e ela recebeu orientação nutricional. "Antes comia dois pães franceses no café da manhã. Agora, como meio”. Sua glicemia média semanal está em 110 mg/dl.

A nutricionista Amanda Lobo conta que, muitas vezes, a simples mudança nutricional já reflete na melhora dos níveis glicêmicos. "Pelos gráficos [da glicemia média semanal], a gente sabe como está alimentação. Se os níveis sobem muito depois de determinada refeição, procuramos saber qual alimento foi consumido e orientamos como é possível mudar isso.”

O barbeiro Geraldo Santos Ramos, 54, é outro exemplo bem-sucedido de controle do diabetes após uma mudança de estilo de vida. Ele chegou ao grupo com uma glicemia semanal de 270 mg/dl, após 14 anos convivendo com o diabetes tipo 2. "Ficava muito tempo sem comer e depois colocava dois andares de comida no prato." Hoje, além de fazer pequenas refeições a cada três horas, ele incorporou na sua rotina caminhadas diárias de 6 km.

O endocrinologista Roberto Betti, do InCor (Instituto do Coração) e do hospital Oswaldo Cruz, avalia que o novo método seja extremamente útil para os pacientes diabéticos internados, que desenvolvem hiperglicemia hospitalar. "Eles têm mais predisposição às infecções, a recuperação é mais lenta e o tempo de internação é maior. Com esse novo método, vamos conseguir tratar muito melhor nossos pacientes", explica o médico.


Fonte: Folha de São Paulo

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